quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Cabral na moda

O meu país é fascinante.
Todos querem aparecer, mas ninguém se oferece. Todos falam mas ninguém argumenta. Todos dizem mas ninguém pensa.
Haverá algo melhor do que isto?
Não ouso responder.
Coitadinhos (de nós)!

O meu país é tão fascinante que a mais proeminente figura é a mais banalizada!
Nunca se ouviu falar tanto de um homem!
Jamais se lucrou tanto com uma imagem!
Nunca se escondeu tanto atrás de um pensamento!
Jamais se camuflaram tantas fraquezas e indecisões!
Pobres (de nós)!

Adoro a confluência de ideias dos meus conterrâneos.
Todos unidos à volta de um bem comum.
(Imagino o banquete: desde um alto governante, passando por um técnico de educação que se esbarra num thug até ser amparado por um rapper)
Cabo Verde está a trilhar um óptimo caminho: o da uniformização e globalização de um pensamento.

Viva!
Por esta altura, Amílcar Cabral figura ser o mais apetecido e apetecível doce; a camisola mais vestida e que, ao que parece, se rejuvenesce com cada novo corpo; o nome mais degustado e aclamado.
Por estes lados, lançar esse nome ao vento é sinónimo de engajamento social, de investigação cultural, de destreza intelectual, de socialização de ideias, de afirmação pessoal.
Uhf!!!

De facto, “A língua é um instrumento que o homem criou através do trabalho, da luta para comunicar com os outros.” (Amílcar Cabral)


Valódia Monteiro

Setembro de 2010

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Afronta!

Isto que vou dizer poderia ter acontecido de uma forma bem descontraída numa mesa de um café. Mas isso não foi possível, não porque não houvesse vontade da minha parte mas pelo facto de as pessoas se acomodarem apesar do incómodo que tal situação provoca. O mindelense, dado ao comodismo que lhe está bem entranhado, escuda-se numa falsa descontração que chega a ser repugnante e fastidioso. O sãovicentino prefere brincar ao invés de pensar. São sinais de uma sociedade cada vez mais fútil, folclórica e folclorizada. O cerne da questão é o seguinte: O Centro Cultural do Mindelo, que tinha por obrigação apoiar os grupos teatrais, formou um grupo de teatro – o GTCCM (Grupo de Teatro do Centro Cultural do Mindelo). Isto é de se bradar aos céus!

Inveja, ciumes, agoiro, azia (Não! Não se preocupem! Não me movi por nenhum deles.)
Então, qual o porquê desse meu desagrado? Qual a razão do aparecimento do GTCCM?

Trata-se de uma situação deveras intolerável e que não pode e nem deve passar incólume aos olhos de quem quer ver e, evidentemente, daquele que se sente incomodado. Possivelmente trata-se do resultado de um já muito badalado choque de egos/confronto de cabecilhas devidamente identificadas que de tanto serem conhecidas e reconhecidas não precisam ser aqui ementadas. E, mais uma vez, o "povo", é enganado e escamoteado através de um discurso lisonjeiro por parte de manipuladores com a nítida intenção de obter favores. Esses cabeças, para atingirem os seus fins, transformam qualquer matéria-prima em arma. Aproveitam-se desses alucinados/ deslumbrados e iludem-nos. Esses comandados, de forma consentida ou disfarçada, abraçam projectos aparentemente desinteressados e ingénuos.Provavelmente foi isso que aconteceu.
Por favor, belisquem-me!

Eu não sou contra a criação de um grupo de teatro mas discordo totalmente com a institucionalização de um grupo de teatro por parte de um organismo que o não deveria fazer. Já temos um exemplo em São Vicente, embora os casos sejam totalmente diferentes e em relação ao outro se compreenda os motivos.
Isto indigna-me. É uma afronta!

Até parece que o recém-criado grupo, o GTCCM, se quer ombrear com o Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo (GTCCPM).
A semelhança entre eles é que ambos representam instituições. Nada tenho contra os seus integrantes. Sou amante do teatro/agente teatral por isso outra atitude não se esperaria da minha parte.

Não pensem que o que digo é desprovido de razão, pois vejamos:
Como é que se divide o “bolo teatral” em São Vicente?
Não se divide aquilo que não existe.
Qual a política teatral vigente em São Vicente?
Não há.
Como é que se sentem os grupos de teatro em São Vicente?
Desamparados. (Por um lado, a Associação Mindelact não existe e por outro o Centro Cultural do Mindelo criou um grupo de teatro)
Será que todos os grupos têm as mesmas regalias, as mesmas oportunidades?
Não.
Será que o GTCCM paga pela realização de espectáculos no Auditório do CCM?
Creio que não.
Será que os outros grupos pagam pela montagem e realização de espectáculos no Auditório do CCM?
Sim.
Quem ganha com a criação do GTCCM?
Poucos (já identificados)
Quem perde com a criação do GTCCM?
Muitos (já identicados) e poucos (por identificar).

A cada dia que passa fico mais ciente que Cabo Verde se torna mais para menos pessoas.

É óptimo saber que o Centro Cultural do Mindelo se preocupa com o teatro!

Valódia Monteiro
Publicado no jornal “A semana” ( 23- 07-2010)
Reflexão

Mais uma vez congratulo-me com o trabalho que o nhaterra está a desenvolver. Parabéns à equipa!
Como forma de me aliar a o que se escreveu sobre esse assunto deveras incomodativo e preocupante, trago alguns subsídios que espero que sejam utilizados para reflexão:

Alguém se lembra de quando vencemos a Taça Amílcar Cabral no ano 2000?
Não, ou, pelo menos, pouquíssimos.
Alguém se lembra da festa do título de campeão de Portugal pelo Sporting CP na época 1999/2000?
Milhares de pessoas.

Essas efemérides tiveram lugar no mesmo dia e, não pela minha filiação clubista, mas esse foi um dos piores dias da minha vida como cabo-verdiano.
Não imaginam a tamanha tristeza que eu senti: Cabo Verde e o seu feito histórico foram relegados para um ínfimo plano.
Pese embora esse facto, não me surpreendi com essa manifestação.

Todo o crioulo é assim: um ser indeciso; não sabe quem é: se é preto, se é branco, se é mestiço. Sofre de uma crise de identidade enorme. Sofre do “Complexo de Édipo”: mata o pai para querer ficar com a mãe.
Não vou dizer para sermos indiferentes a um resultado de um clube português ou mesmo da selecção portuguesa. O que se põe à baila são questões ligadas com a identificação, com a comunhão, com a cumplicidade. Quem somos? O que somos? O que queremos? Quais são os nossos valores?
Somos fúteis e bastante vulneráveis. (Podem chover apupos, granadas, estalos, socos, olhares enraivecidos, gritos histéricos).
Pergunto: Com quem nos identificamos? Com um clube da nossa ilha? Com o nosso país?

Cabo Verde é um país desprovido de referências e, se elas existem são nomes folclorizados ou politicamente apetecíveis e rentáveis que constantemente são atirados ao lume (poderia avançar com alguns nomes, mas não será necessário pois já são conhecidos – alguém já fez esse trabalho. Não me perguntem com que objectivos).

Vivemos numa desmesurada euforia e fanatismo clubistas frutos da nossa fragilidade, da nossa debilidade, da nossa vulnerabilidade.

Um abraço a todos!


Publicado no jornal online nhaterra.com.cv (09- 05- 2010)
Conversa a dois

Pergunta:
- Quem serás tu?

Resposta:
-Eu serei eu.

Pergunta:
-Como serás tu?

Respostas:
-Serei breve
(não vos quero incomodar)
-Serei claro.
(não vos quero atormentar)
- Serei directo
( não vos quero enganar)

Pergunta:
- O que serás tu?

Respostas:
- Fugirei à loquacidade.
- Procurarei a simplicidade.

Pergunta:
-Quem és tu?
Resposta:
- Eu sou eu.

Pergunta:
- Quem serás tu?

Resposta:
- Eu serei eu, o mesmo.
20-05-04

Utilizado na peça “PSYCHO” pela Companhia de Teatro Solaris ( 2006)

So oiód

Unton dôs pssoa junt um te vrá pe quel ôt , el te dzel: “ Mim n´ê nada sem bô.”
Log dpos el te metê mon ne se bols , el te panhá um fot d´ôt pssoa el te dá um bijin.
2003
Utilizado na peça “PSYCHO” pela Companhia de Teatro Solaris ( 2006)


A morte do silêncio

Podes vir:
- Sei que estás aqui.

Podes entrar:
- Reconheço-te.

Podes chegar:
- Conheço a tua presença.
Podes falar:
- Imploro-te.

( um estrondo)

Mataste-o?
Rejubilo-me.

Agora sim!
Finalmente nós nos pertencemos.

Agora sim!
Finalmente, é o fim.
20- 05- 04
Utilizado na peça “PSYCHO” pela Companhia de Teatro Solaris ( 2006)